Bill Gates farta-se de facebook

Um homem pode cair no erro de ser demasiado popular e ter demasiados amigos. É nessa altura que é preciso dizer basta. Foi o que disse Bill Gates, ao anunciar que se retirou do Facebook. O co-fundador da Microsoft – o übber geek –, o mesmo homem que na década de 1980 quis pôr um computador pessoal em cima de cada secretária - viu-se forçado a fechar o seu perfil na popular rede social porque demasiadas pessoas queriam ser suas amigas.

Gates anunciou sábado na capital indiana que chegou a ter um perfil no Facebook mas que acabou por desistir quando percebeu que tinha 10 mil pessoas a tentarem adicioná-lo como amigo. O homem que ficou milionário graças à Microsoft e que entretanto se retirou para se dedicar a projectos de filantropia - através da Fundação Bill e Melinda Gates - explicou que, perante um número tão avassalador de contactos, teve muita dificuldade em perceber quem é que ele realmente conhecia. "Aquilo dava demasiado trabalho, por isso desisti", disse Gates em Nova Deli, onde se deslocou para receber o Prémio Indira Gandhi para a Paz, o Desarmamento e o Desenvolvimento.

Alguns blogues aproveitaram a ocasião para fazer circular imagens alegadamente retiradas do perfil de Gates antes de este ter ficado inacessível e nas quais se fica a saber que a sua série de televisão favorita é "24" e que os seus interesses incluem "ténis, bridge, leitura e filmes".

Mas afinal de contas que importância tem o facto de um dos maiores gurus da Internet ter abandonado o Facebook numa altura em que a rede social explode de popularidade e conta com mais de 260 milhões de utilizadores? Em primeiro lugar é estranho que o antigo homem-forte da Microsoft anuncie publicamente a desistência depois de a sua empresa ter adquirido, em Outubro de 2007, 1,6 por cento da rede social por uma pequena fortuna (170 milhões de euros). Paulo Querido, especialista em assuntos ligados às novas tecnologias, concorda que esta notícia tem uma "curiosidade acrescida" pelo simples facto de "a Microsoft ter interesse no Facebook".

Contactado pelo PÚBLICO, o professor da Universidade da Carolina do Norte e estudioso do fenómeno das redes sociais Fred Stutzman assumiu estar “divertido” com este anúncio de Bill Gates. “Acredito que os problemas que levaram Gates a desistir são muito semelhantes aos problemas que o utilizador médio do Facebook enfrenta. Esses problemas são a mistura de conteúdos (trabalho, família, vida pessoal) e o excesso de informação inerente ao facto de termos muitas pessoas a interagirem num único sítio”, disse.

“Claro que por ser uma figura pública, os problemas de Bill Bates aumentam exponencialmente. Por causa do seu estatuto, ele não tem a obrigação de se manter a par; é compreensível que ele abandone o Facebook (as pessoas que estão na vida de Gates não esperam que ele tenha suficiente tempo livre)”, explicou Fred Stutzman.

Para Bill Gates, porém, as razões da sua desistência parecem ser mais impulsivas do que estratégicas, ao admitir que, apesar dos "enormes benefícios" da tecnologia, "todas as ferramentas tecnológicas podem fazer perder o nosso tempo, se não tivermos cuidado".

Apostar na tranquilidade

Paulo Querido partilha desta opinião, ao enumerar uma das grandes desvantagens do Facebook: "Em primeiro lugar acho que as redes sociais podem ser demasiado time consuming. Pessoas que tenham tendências viciantes - por exemplo as pessoas viciadas em notícias, as chamadas news junkies - podem acabar viciadas e passar demasiado tempo online", refere o especialista, que estima passar cinco horas por dia agarrado às redes sociais, quatro e meia das quais no Twitter (rede de microblogging).

Mas a atitude de Gates pode simplesmente traduzir uma necessidade humana básica: a de dar importância à tranquilidade. "Para algumas pessoas talvez esse espaço [das redes sociais] se tenha transformado num sítio demasiado barulhento e atafulhado", disse à BBC o especialista em Internet Greg Sterling, do Sterling Market Intelligence, uma firma de consultoria que analisa o impacto da Internet na vida quotidiana.

Paralelamente, alguns perfis são autênticos vórtices de narcisismo. Apontamentos vácuos e inócuos do dia-a-dia de pessoas que medem a sua popularidade pela quantidade de amigos que têm em rede, ao contrário de Bill Gates, que aparentemente prefere abdicar de tudo isso. "Cada um sabe qual a utilidade que quer dar ao seu perfil, mas realmente há muitos casos em que as pessoas se deixam iludir pelo brilho de falsas pepitas. Às vezes é mesmo só o brilho, não há nada de valor. Há muitos enganos... De qualquer maneira isto é um território de fronteira e ainda estamos na infância das redes sociais", explica Paulo Querido.

O caso Martha Stewart

A atitude de Gates pode igualmente denunciar uma tendência que se tem registado um pouco por todas as redes sociais: as desistências e as contas-fantasma. Estima-se que, no Twitter, mais de 60 por cento dos utilizadores do sistema de microblogging tenham deixado de o usar um mês depois de terem feito a sua inscrição, de acordo com um estudo recente da Nielsen, empresa americana especializada em audiências e estatísticas de "consumo" nos media (Internet incluída, claro). Notícias semelhantes chegaram do Second Life que, pelas últimas contas, apenas conserva uns escassos 500 mil utilizadores. Dos 15 milhões de avatares registados neste mundo virtual, mais de 95 por cento estão hoje totalmente inactivos.

Nas redes sociais, como em tantas outras coisas da vida, depois de um hype inicial vem a desilusão. As pessoas fartam-se. "Essa é outra das desvantagens do Facebook, ou do Twitter... Depois da euforia inicial acabam por ficar abertas imensas contas-fantasma, porque as pessoas se apercebem que aquilo não são favas contadas. É preciso trabalhar para se manter acesa a interactividade", acrescenta Paulo Querido.

Bill Gates não foi a única personalidade a afastar-se do Facebook nos últimos dias. A "fada do lar" mais querida da América, Martha Stewart, também anunciou que a rede social lhe toma demasiado tempo e a obriga a demasiadas coisas "tolas". "Prefiro o Twitter como veículo de comunicação para massas - é o Wal-Mart [grande retalhista americano] da Internet."

Milhões de pessoas parecem, porém, discordar da senhora Stewart. Se o Twitter conta com 40 milhões de utilizadores mundiais, o Facebook consegue agregar mais de 260 milhões (400 mil dos quais são utilizadores portugueses, de acordo com estimativas recentes). Além disso, as celebridades parecem estar cada vez mais apostadas em banir os intermediários das suas relações com os fãs e, por isso, o uso das redes sociais é obrigatório. Na semana passada o tenista Roger Federer anunciou o nascimento das suas filhas gémeas via Facebook. E se o actor Ashton Kutcher passa a vida no Twitter - onde foi o primeiro a ultrapassar a barreira do milhão de seguidores e onde muitas vezes mostra imagens da mulher, a também actriz Demi Moore -, a verdade é que no Facebook qualquer milhão tem o potencial de se multiplicar quase infinitamente, simplesmente porque o universo de inscritos é muito mais abrangente.

Mas a mistura entre famosos e Facebook pode ser uma história de enganos. A rede social está cheia de perfis falsos. Fazendo uma pesquisa por Bill Gates, por exemplo, ou por José Sócrates, damos de caras com dezenas de perfis que não correspondem à pessoa em questão. Há imensas pessoas que se fazem passar por famosos. Por brincadeira, gozo, humorismo, picardia, maldade... Razões não faltam.

Numa crónica recente publicada na revista GQ, o escritor Miguel Sousa Tavares disse que o Facebook "não passa de uma agência de engates onde uma multidão de solitários ou mal resolvidos se põe a jeito". Apesar de poder passar por uma alfinetada amarga de um cronista que não costuma ter papas na língua, a frase acaba por resumir o espírito que esteve por trás da criação do Facebook.

Uma brincadeira

Os seus co-criadores - Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin - estudavam em Harvard quando fizeram um primeiro ensaio do Facebook, chamado Facemash, onde agregavam os dados e as fotografias das raparigas do campus, depois de entrarem à socapa na rede da universidade. Por meio deste expediente construíram a sua própria base de dados de potenciais romances à la carte, que foi um sucesso instantâneo, embora tenha sido encerrada ao fim de poucos dias, por decisão da universidade. O sucesso deste primeiro ensaio fez com que Zuckerberg e Saverin se decidissem: iriam construir uma rede social online que teria como premissa o relacionamento entre as pessoas por intermédio de perfis criados pelas próprias. Finalmente, a 4 de Fevereiro de 2004, o Facebook começava a funcionar, primeiro apenas em Harvard e depois em todo o mundo (2006), ofuscando rapidamente todos os seus equivalentes imediatos: o LinkedIn, o My Space, o Hi5 e o velhinho Orkut.

Mas em que consiste, afinal, o sucesso do Facebook? Paulo Querido aponta três mais-valias: "Em primeiro lugar é uma maneira de nos relacionarmos com pessoas com as quais temos afinidades, ficando a saber o que elas pensam e transmitem; em segundo lugar é uma maneira de encontrarmos pessoas com as quais já não temos contacto há muito tempo, antigos colegas e amigos e, em terceiro lugar, trata-se de uma ferramenta usada por pessoas que querem emitir - que querem ser emissoras -, e isso pode ser muito útil para algumas pessoas, nomeadamente para jornalistas."

Mas Miguel Sousa Tavares continua a não partilhar dessa opinião: numa entrevista recente ao “Diário de Notícias”, o cronista disse que o Facebook é “a maior ameaça próxima para a história da humanidade”. Porquê? “Porque veio subverter todo o tipo de relações humanas. As pessoas deixam de se encontrar, de se conhecer, queimam as etapas todas, deixam de se olhar, mesmo (...) Está tudo radiante a expor as suas vidas privadas no Facebook, contentíssimos, porque têm um feedback instantâneo, julgam que assim não estão solitários. E está tudo fechado em casa, diante do computador!”

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